Você já deve ter ouvido a expressão “dupla jornada de trabalho”. Esse termo é associado às mulheres pelo menos desde os anos 80, quando elas ganharam espaço no mercado de trabalho, mas tiveram que manter todas as funções que ainda são esperadas delas em outras frentes, seja em casa, nos estudos ou no cuidado dos filhos e idosos. Pouca coisa mudou nas últimas décadas, e o horizonte indica uma sobrecarga ainda maior: com a população brasileira ficando mais velha, a mulher pode ter de abraçar, numa escala inédita, o cuidado dos mais velhos.
Levantamos alguns dados para ajudar pessoas que gostam de entender o que acontece à sua volta e de imaginar soluções que possam encurtar o caminho até uma verdadeira igualdade de gênero – em todos os lugares.
Estudando mais, trabalhando mais e cuidando como sempre
É inegável que as mulheres tiveram conquistas importantes nas últimas décadas. Um indicador disso é que estamos estudando mais do que nunca. Os números também mostram que valorizamos a educação mais do que os homens:
Também estamos trabalhando mais do que nunca e, apesar dos pesares, melhorando o nosso nível salarial. Segundo o Instituto Data Popular (2013) 83% foi o aumento da renda das mulheres no Brasil entre 2003 e 2010. Ainda assim, enfrentamos injustiças históricas que precisam ser superadas.
Mesmo estudando, trabalhando e construindo as nossas carreiras, ainda somos nós que tomamos conta do Brasil. Criar, doar, nutrir, preocupar-se: esses são verbos atribuídos às mulheres. Além de criarmos e educarmos as crianças, cuidamos de quem envelhece. Quando somos a chefe financeira do lar, temos duas vezes mais chances de abrigarmos nossas mães e pais do que em lares chefiados por homens1.
O outro ainda é prioridade
E qual a razão disso? Alguns dados do Google nos dão pistas. Se, para os homens brasileiros, o maior medo é de morrer (21%), as mulheres temem mais perder filhos, pais e familiares (20%). Temos menos medo do fracasso do que eles (4% vs. 6% da população masculina), mas o temor de não conseguir sustentar nossos filhos é muito maior – o dobro em relação aos homens. As mulheres temem mais por aqueles a quem amam do que por elas próprias.
A questão cultural tem um peso enorme nesse comportamento. O ato de cuidar é inerente ao ser humano, seja qual for o gênero, mas a divisão convencional das funções nas famílias levou o homem a trabalhar fora de casa, e a mulher, a criar os filhos e administrar a casa. Infelizmente, o aumento da participação feminina no mercado de trabalho não trouxe a diminuição proporcional nas atividades domésticas.
Segundo o IBGE (2015), a mulher dedica semanalmente 26h à atividades domésticas, enquanto que os homens apenas 11h. Muito dessa realidade se deve aos estímulos recebidos na infância: os garotos de 10 a 14 anos passam, em média, 2,7 horas por semana em atividades domésticas, enquanto as garotas da mesma idade dedicam cerca de 7,6 horas3.
O peso da desigualdade começa em casa
Conciliar a vida profissional, a formação e a carreira com tarefas domésticas que nos foram impostas ao longo dos séculos, como criar filhos, fazer a comida e administrar o lar, além de dar atenção e dedicação emocional a amigos e família, é um quadro difícil de transformar.
Mesmo que os homens estejam mais conscientes sobre a importância de não só “ajudar” em casa, mas sim de dividir as tarefas de maneira equânime, junto a nós, mulheres, esse peso cultural ainda fala alto em determinados momentos. Outro dia, meu marido levou sozinho uma de nossas filhas ao dentista. Em uma segunda consulta, eu que levei elas, e dessa vez me peguei explicando para a dentista que nós dividimos as tarefas, dando motivos por eu não ter levado nossa filha na primeira consulta. Ou seja, com toda a consciência que tenho sobre o tema, ainda agi como se precisasse me justificar.
E esse é apenas um exemplo entre milhares. Podemos pensar em uma mãe que trabalha, estuda e tem dois filhos pequenos, sem cônjuge, babá ou familiar para ajudar, dedicando quase todo seu dia a equilibrar os pratos entre sua formação, sua carreira e o bem-estar dos filhos. Você, assim como eu, deve conhecer casos assim – isso se não for um deles.
Mas será que as mulheres nascem “multitarefa”?
Aí surge outro estereótipo: a mulher é boa em conciliar várias tarefas em paralelo, e o homem, não. Mas já parou para pensar se essa habilidade multitarefa tem a ver com algum determinismo de gênero, ou se deriva de uma cultura que impõe à mulher a execução de várias coisas ao mesmo tempo? Se as tarefas fossem divididas igualmente, será que o homem não desenvolveria também esse talento? Acredito que somos multitarefa porque fomos condicionadas a isso. E que essa é uma das origens da nossa sobrecarga mental. Em muitos lares, a mulher parece ser o cérebro, e o marido, os braços. Ainda que elas não façam, é preciso que elas digam o que precisa ser feito.
Além de sermos multitarefa, precisamos nos virar quando a questão é sustentar a casa.
Com pouco espaço no mercado de trabalho, o caminho que muitas brasileiras seguem é empreender – mas não por uma questão de oportunidade.
O mundo de hoje pede que as pessoas se dividam entre várias funções e missões, muitas ao mesmo tempo, e precisamos todos nos organizar – todos e todas – para lidar com essa realidade. O problema é quando a mulher, por uma questão cultural, é mais multitarefa que o homem por absorver as funções de casa. Se todos formos multitarefa no mesmo grau, com um equilíbrio de responsabilidades, estaremos jogando o jogo em condições iguais.
Sororidade digital em tempos desafiadores
Enquanto a situação da mulher brasileira não melhora definitivamente, e enquanto a cultura nos impõe um peso desigual, onde podemos encontrar suporte para dar conta de toda essa responsabilidade? A tecnologia pode trazer algumas respostas.
Nós, mulheres, estamos no YouTube, formando redes, descobrindo afinidades e trocando informações. Nos vídeos online, vemos a nós mesmas, nos conectamos e nos identificamos, compartilhando experiências e conhecimento para ir adiante e encararmos as lutas diárias. Um dado para ilustrar: em 2018, as brasileiras publicaram mais de 2 mil vídeos no YouTube sobre cuidados a serem tomados por quem viaja sozinha. Essas mulheres, que formaram uma rede de cuidado e apoio falando para outras mulheres sobre como se cuidar, tiveram mais de 200 mil horas assistidas. Essa sororidade digital é algo a ser reconhecido e valorizado.
Também vemos tutoriais e procuramos dicas sobre tudo – desde cuidados pessoais e culinária, até como dar uma ajuda aos filhos nas tarefas escolares (como fiz com minhas filhas no início deste ano letivo, aprendendo a encapar cadernos). Do conteúdo assistido no YouTube sobre cuidados com crianças, 67% é visto por mulheres. Também vemos 2,5 vezes mais vídeos no estilo “faça-você-mesmo” do que os homens, o que comprova algo sobre a relação entre mulher e tecnologia: usamos as buscas para aumentar nossa independência, sem precisar reforçar estereótipos.
Já a beleza é pauta das publicações femininas desde sempre. As dicas estéticas nos ajudam a ganhar tempo no dia a dia e a formar relações mais profundas nessas novas redes de apoio que o digital criou – por exemplo, sempre que compartilhamos truques de maquiagem. Mas não ficamos só nisso: queremos um conteúdo que nos ajude a nos virar. Vamos atrás de como fazer instalações elétricas ou informações de como lidar com idosos enfermos. Devemos discutir como educar as pessoas para que nossas filhas não sejam sobrecarregadas como nós, mas se for preciso ser multitarefa, não vamos fugir da briga.
Os aplicativos de mensagem são outro apoio tecnológico para que as mulheres – especialmente as mães – deem conta das tarefas que se acumulam. Com esses apps, é possível acompanhar os filhos, mesmo estando longe fisicamente. Basta uma chamada em vídeo ou áudio para tirar uma dúvida na lição ou para ajudar em algum problema em casa, ou trocar informações com o grupo da escola.
A sororidade digital é um passo importante. Mas e depois?
Sabemos que nenhuma das questões apontadas têm soluções simples. Por que então falamos sobre o assunto e, mais importante, o que podemos fazer a respeito?
Se somos todos parte do problema, devemos então participar também da solução, homens e mulheres. Rever nossos hábitos, refletir sobre esse assunto, repensar práticas dentro do ambiente de trabalho, educar nossos filhos de maneira diferente e incentivar discussões, tanto com colegas quanto com familiares: tudo isso pode impulsionar a mudança.
Se tivermos alguma vivência no assunto, talvez seja hora de compartilhar isso com quem está perto de nós – ou então, abrir novas conversas com um público que nem imaginamos que exista, por exemplo, por meio do YouTube.
Por outro lado, se o homem quer dividir tarefas, podemos dar algum incentivo – e uma maneira de fazer isso é deixá-los encontrar sua maneira de executá-las. Uma coisa que aprendi como gestora foi a deixar as pessoas lidarem com os seus obstáculos: se eu apontá-los, resolvê-los para o time ou mostrar o meu jeito de fazer as coisas, as pessoas nunca vão encontrar sua maneira de solucionar os problemas. Acho que algo parecido acontece com os homens nas tarefas domésticas. Mesmo que eles vistam a criança com a roupa ao contrário de vez em quando, o fundamental é que, no fim das contas, as funções sejam divididas de uma forma equilibrada. O ajuste fino pode ficar para depois.
Uma divisão justa entre trabalho e vida pessoal é fundamental para garantir à mulher a igualdade pela qual lutamos e à qual temos direito. E este é um caminho que só conseguiremos trilhar juntos.
Fonte: Think With Google